terça-feira, 25 de agosto de 2009

sábado, 22 de agosto de 2009

Nunca se esqueçam disto...

Eles andam aí!


O Belleville6174 já está nos muros da cidade. Quando começam as pichagens, algo vai acontecer.
Atentos. Muito atentos.

domingo, 16 de agosto de 2009

Chambre de bonne no XVème

Era um "chambre de bonne" num sexto andar em Paris. Inventar espaço no não-espaço era a tarefa quotidiana. O apelo à criatividade e ao design inscreviam-se nos mais pequenos gestos e soluções inovadoras foram inventadas. Quando se entrava a surpresa era grande porque não se via a cama. — Luís onde é que dormes? — Olha para cima! E lá estava a cama no "primeiro andar" do quarto criando, assim, um "enorme" salão de convívio. Devo dizer que não havia gavetas porque eram demasiado "encombrantes". Os talheres estavam perfurados para poderem ser pendurados e o faqueiro caberia em dez centímetros. Um metro de cozinha, um metro de casa de banho, quarto superior e salão de baile, era assim esta peça da bauhaus no quinzième em Paris nos anos setenta.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Artur (rei) estava empregado numa casa de colchões, em Paris , depois de 68, e ele arranjou uma bicicleta para entregar os colchões ao domicilio do cliente. E então era vê-lo nos grandes Boulevards guinando à esquerda e à direita num equilibrio difícil a ser pressionado pelos automóveis que queriam passar e claxonavam e ele nada incomodado, até feliz de merecer em pleno Paris, tanta atenção e hilariedade, da parte dos transeuntes que gozavam com a cena.
A sua juventude e uma certa capacidade cénica faziam dele uma figura do teatro da vida, tão recheada de artistas desconhecidos que foram "reis" por uma hora.

excerto do livro A inscrição na lápide

… pelo menos de Espanha já tinha saído.
Aquele espanhol de cabelo rapado e ar de camponês trouxera-o até ali e avisou-o de que um outro colega o viria buscar para levá-lo de comboio até Paris conforme o combinado.
Esperaria naquela estação (Hendaye) uns trinta minutos até ele chegar.
- E como é que ele sabe que sou eu ?
- Sabe, sabe. Já lhe dei os seus sinais e ele vem aqui ter consigo. Despediu-se muito confiante e partiu em direcção a Espanha.
Ali esteve esperando , esperando. Com receio de um desencontro nem foi à casa de banho. Aguentou assim duas horas. Começou a pensar se não teria sido abandonado pelo passador… Passaram-se três horas . Foi perguntar em castelhano, no guichet, se ainda havia comboio para Paris. A senhora francesa até o queria ajudar. Que comprasse o bilhete depressa pois era o último comboio desse dia e já estava a entrar na Gare.
E ele sem saber o que fazer . Telefonar para Portugal não podia, porque todos os telefones conhecidos estavam sob escuta. Não tinha francos nem pesetas. O dinheiro que lhe emprestaram fora todo para o passador. E mesmo assim foi dificílimo .
Resolveu esperar. A noite aproximava-se veloz.
Ainda com receio da Policia Francesa que passava de longe a longe pela Estação, resolveu subir a um monte que dali se avistava. Procurou em todos os bolsos. Só tinha 300 escudos, que a Mãe, ao despedir-se, lhe enfiara no casaco.
Precisava de os cambiar em francos.
No cimo do pequeno monte não havia habitações , mas encontrou um barraco para animais. Deitou-se às escuras num canto seco sobre as palhas. Sentia perto o cheiro dos bovinos e o ruído das suas respirações. Não conseguiu manter-se acordado por muito tempo.
Quando acordou estava gelado. Deu uma volta pelo campo semeado que a Lua permitia aperceber, surpreso de não ouvir os cães e voltou ao barraco. Os pés aqueciam a pouco e pouco. Pensava na companheira e na última vez que se viram. Onde estaria àquela hora ?
Na manhã seguinte lá foi à Estação. Cambiaram-lhe os escudos mas o bilhete que adquiriu só dava até uma cidade
antes de Tours ( de que já ouvira falar) …
Depois veria como chegar a Paris.
No comboio ficou em frente de dois portugueses que regressavam a França e que falavam do seu trabalho.

O ruído cadenciado do comboio e o sol quente que entrava pela janela fizeram-no adormecer.
Só acordou quando a porta deslizante foi aberta com força.
Era o fiscal do comboio que vinha controlar os bilhetes.
O homem pediu-lhe o bilhete e ele entregou-lho.
Perguntou espantado para onde ia ?
- Vou para Paris.
- mas este bilhete já não é válido. O senhor devia ter saído do comboio há muito tempo. -Este bilhete só é válido até …
E ele … nada. Sem dizer palavra.
Então o fiscal continuou: tem dinheiro para pagar o resto da viagem?
- não ! Não tenho mais dinheiro. O que tinha foi para comprar este bilhete. ( tudo isto em português, que foi traduzido pelos dois portugueses que ali iam)
- Então você acha que se eu fosse a Portugal podia viajar sem pagar bilhete ? Agora vou telefonar para a próxima paragem e lá você vai ter de pagar … -
O fiscal saiu, zangado, mas ficou por ali um empregado SNCF a vigiar.Daí a algum tempo o comboio parou. Era a cidade de Tours. Uma carrinha da Polícia estava lá à frente.
Vieram dois polícias buscá-lo dentro do comboio. Meteram-no na carrinha. Percorreram algumas ruas até pararem no Comissariado. O edifício enorme. Alguns polícias que se cruzavam com eles perguntavam do que se tratava …
Estabelecia-se um curto diálogo e depois riam-se …
Era motivo de conversas esse português a viajar sem bilhete e sem dinheiro.

Por fim, mandaram-no esperar numa saleta. A fotografia
na parede mostrava o General De Gaulle fardado.
Entrou um mulato à civil aparentando 40 anos.
-Sou o Comissário ( fulano de tal) –
Agora conte-me o que aconteceu.
Ele contou como tinha sido abandonado pelo passador na fronteira apesar de ter sido pago até Paris.
E a sua bagagem ? Onde ficou?
- Eu venho fugido à polícia politica, por isso …
E o que fez lá para andar fugido ?
E ele contou qual era a sua luta em Portugal, sem revelar qualquer organização clandestina. – Em Paris tenho amigos que me vão ajudar… Explicou que a esposa , grávida de sete meses , também estava presa pela Pide.
O Comissário olhou bem para ele . Deu duas voltas à secretária , em silêncio. Sentou-se e voltou a levantar-se.
Começou a falar do que lera sobre Portugal e da Pide. Do que lia em Jornais e Revistas.

Eu posso deixá-lo ir para Paris, mas tem que se fazer um relatório escrito. Quando chegar aqui um policia você vai declarar tudo o que aconteceu até chegar aqui. Sou eu que faço as perguntas e traduzo.
E saiu da sala.
Com ele regressou um polícia que vinha dactilografar as declarações. O nosso personagem ia registando toda a liberdade de que usufruíam os subordinados e toda a estrutura organizativa e humana deste comissariado e o ambiente de trabalho que ali reinava. Depois de estar feita a breve declaração, foi assinada pelo Comissário, pelo dactilógrafo, e pelo nosso personagem.
Disse-lhe : - Bom , amanhã vai seguir para Paris. Hoje janta cá e dorme na camarata.
Vou dar as ordens. E depois alguém o vem buscar.
Cumprimentou-o com um forte aperto de mão e foi-se embora. Passada uma hora veio um outro polícia que sorria abertamente :- Vais comer da nossa comida ! -
Convidaram-no a sentar-se numa mesa imensa e trouxeram-lhe um prato de guisado , cheio de coisas desconhecidas que cheiravam a novidade. ( courgetes) e outros legumes . Nem batatas, nem arroz. Comeu e gostou.
Da água é que não gostou. Mais tarde foi dormir num beliche com lençóis. Não se via nem ouvia ninguém.
De manhã acordou com a camarata cheia de polícias que vestiam as fardas falando , rindo e assobiando.
Ainda cedo comeu um croissant e bebeu café.
Perguntou como é que devia pagar tudo aquilo.
Riram-se : -está pago !
Levaram-no então na carrinha da polícia até à estação de Tours. Já na Gare os dois guardas que não eram os mesmos da véspera, foram buscar o bilhete com uma requisição e depois de carimbado pela SNCF, deram-lho.
E os dois guardas só saíram dali quando o viram entrar no comboio.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Feijoada I


Estava decidido. O Armando Alves fazia a feijoada. Tinha sido cozinheiro na tropa e sabia o que era preparar comida para 200 pessoas.
O Américo tesoureiro, naquela reunião da direcção, estava desconfiado. Tanto preparativo e será que rendia alguma coisa para os cofres da associação? Uma coisa era certa martinis, ricards e cerveja vendiam-se sempre e o encaixe estaria garantido. Mas era mesmo preciso aquela coisa da feijoada, tanta comida para quê?.
Mas afinal quantos autocarros virão? Perguntava o Raúl da Póvoa. Fala-se em cinco mas quem sabe isso melhor é o Motas do grupo dos Camaradas. São mais de duzentas pessoas. O Leiria trabalha na cantina da escola e arranja três tachos dos grandes. Chega e sobra.
O Armando estava calado. Pensava na mobylette e no regresso ao Parc Montsouris. A mulher ia mandar vir, disso ele já não escapava. Afinal esta reunião era mais complicada que as anteriores. Na última, que tinha tratado do castigo federativo a mais dois jogadores do Gentilly, assunto da maior gravidade, em duas horas estava concluída.
O Zé Barbas repetia: é preciso não esquecer a organização do espectáculo. O Teatro Operário de Gentilly primeiro, o Grupo Os Camaradas depois, os fados e o folclore para terminar.
Bem, mas o que está a acontecer? Será uma festa banal de associações de emigrantes nos anos que antecederam o 25 de Abril?
continua.......

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Leitura e estudo para fazer o "homem novo"

Havia quem lesse esta literatura fantástica, fizesse resumos e, mais tarde, discutisse os textos. Alguns exemplos:

domingo, 9 de agosto de 2009

Zanotti, o revolucionário Italiano

Estamos em 1967, eu era estudante de Direito e Presidente do Grupo Cénico e da Assembleia Geral da Faculdade de Direito.
À saida de uma Assembleia um amigo de Medicina apresenta-me um revolucionário internacionalista. Era Italiano, tinha combatido contra o Mussolini, vinha de Argélia, etc.
Fiquei com ele para lhe arranjar uma pensão e falarmos no dia seguinte.
No novo encontro, o Zanotti de sua graça
- olha, tens de me arranjar uma pistola.
-uma pistola? eu não tenho pistolas nem armas nenhumas.
-ouvi dizer que tens.
-é mentira. Uma pistola...
-é para matar o Saccheti.
- o quê? matar o Saccheti. Isso é bestial. Olha, vou ver se consigo.
Claro que a partir daquele momento levei-o para uma casa de amigos para ficar debaixo de olho. Malta porreira mas que não estava metida em nada, serviam para vigiar o gajo e mais nada.
Passados uns dias disse-lhe que não conseguia a pistola e que o melhor era ele ir para Paris contactar com a malta que estava organizada porque em Portugal não havia nada. Meti o rapaz no comboio e meti-me no comboio seguinte para Paris.
Falei com o responsável da época. Era o João Quintela, morreu há pouco tempo, e essa organização era o incipiente Comité marxista-leninista. Fiquei descansado.
Passados meses fui ao Festival de Teatro de Nancy com o Cénico de Direito e no regresso, como habitualmente, passei por Paris. Fui ao café do costume, lá estavam os fervorosos militantes, e no meio, feliz e prazenteiro, pontificava o revolucionário Zanotti!!! O João Quintela informou-me que eu estava enganado, que era um gajo bestial a falar com as pessoas no bidonville, etc.
Meses depois fui obrigado a fugir para Paris e claro que não descansei enquanto não acabei com aquele arremedo de organização.
O Zanotti ficou lugar-tenente do Heduino, chefe provocatório em mil siuações. Como alguns se devem lembrar nas eleições para a Liga do Ensino.
Depois do 25 de Abril voltaram a esta ditosa e infeliz Pátria.
No fim dos anos 80 entrou em contacto comigo para dizer que escrevia poesia e que eu tinha toda a razão com o trabalho cultural. Eu estava a ensaiar " O Baile" no teatro da Trindade. À saida vi que tinham assaltado o meu 2 cavalos e roubado o guião da peça que eu estava a ensaiar.
Nunca mais o vi. Anos depois uma gajo que eu não conhecia veio informar-me que o Zanotti tinha sido morto à facada na tipografia do PCP-ML...e também me disse que em 1975 eles fabricavam dolares falsos com a protecção da Embaixada dos USA...
Como vêem, não são só as outras resistências que têm provocadores e estórias de merda.
Hélder Costa

Les portugaises

Já era de noite quando subiu para a camioneta e se escondeu entre caixas e sacos cheios de mar. Iriam ser várias horas de viagem até à fronteira do Caia. O condutor tinha-lhe dito que podia fumar um cigarrito, mas só um cigarrito para afastar a saudade e depois bico calado até que ele, ou a GNR, e aí é que era um caso sério, lhe viessem dizer para esticar as pernas. Com esta preocupação e medo lá se acomodou o melhor que pode no meio daquelas ostras que iam, como ele, para França. Receoso do futuro mas seguro da decisão tomada, entre o sono e a vigília, lá ia naquela penumbra impregnado de cheiro a mar português com solavancos em forma de onda. Acordou com o camião parado, rasgos de luz das lanternas cruzavam o escuro, vozes autoritárias comandavam monossílabos. Fez-se dentro dele um enorme silêncio de batida acelerada de coração. Finalmente o camião lá se pôs em marcha. O resto da viagem não tem história. Quando chegaram a Paris e durante a descarga só ouvia a frase: V’lá les portugaises! Só muito mais tarde percebeu que falavam das ostras.